O amor sempre vence

A seleção argentina masculina de futebol venceu, em dezembro de 2022, seu terceiro título de Copa do Mundo FIFA, no Catar. Especialistas dizem que foi uma conquista com base no talento, na raça, no espírito característico do futebol daquele país. Uma mistura de irreverência com seriedade e compromisso. Não há dúvidas disso.

No entanto, a esses fatores, não há como deixar de acrescentar o “amor” como elemento bastante importante para o tricampeonato. Dentro de campo, amor ao futebol, à profissão, à excelência e obsessão pelo resultado positivo. Fora de campo, amor à equipe nacional, à história, amor à cultura futebolística do país através de cânticos que ganharam dezenas de milhares de vozes nas arquibancadas do Catar que, em uníssono, encantaram o mundo e contagiaram os compatriotas alvi-celestes que estavam dentro das quatro linhas.

Omnia vincit Amor (o amor tudo vence), uma vez escreveu o poeta romano Virgílio (70-19 a.C.).

A paixão pelo trabalho sugere que ele seja bem feito. No futebol, isso é traduzido em resultado, ou seja, a vitória. A vitória leva a mais empenho no trabalho. Com isso, constrói-se uma tradição, uma história. Essa história vai exigir ainda mais dedicação e compromisso a fim de manter-se esta cultura vitoriosa.

Talvez tenhamos perdido ou diminuído este amor. Não com a seleção brasileira ou com o futebol. Mas com o país e em todas as relações sociais do cotidiano.

Diante de um individualismo tão grande, e da satisfação de pequenos grupos em prejuízo do coletivo, o Brasil vai se perdendo. Independente de partido político ou presidente no poder.

Quero começar pelos super povoados e incontáveis arranha-céus que brotam do chão, movidos pelo lucro e pela falta de planejamento. Dominam a paisagem das cidades e fazem com que menos crianças tenham acesso ao lazer. Crescem em apartamentos minúsculos que não proporcionam espaços para desenvolver a coordenação motora. Prendem-se aos vídeo jogos, orientados pelos pais, com medo da violência urbana.

Uma violência que resulta do alto custo de vida, do tráfico de drogas e da urbanização agressiva, que desloca as pessoas de baixa renda para áreas mais afastadas do centro da cidade, que vivem em péssimas condições de habitação, onde sequer chegam os serviços públicos e as oportunidades. Neste contexto, nascem as milícias. O deslocamento dessas pessoas até os seus trabalhos leva horas e em situações longe de serem confortáveis. Circunstâncias que geram estresse e diversos tipos de pressão, hipóteses para o consumo de drogas, lícitas ou ilícitas, como uma fuga da realidade. Uma luta pela sobrevivência.

As cidades crescem sem parar. As que já são bastante populosas, não param. As pequenas, perdem pessoas e, claro, orçamento. Isso tem impacto negativo na saúde, educação e na sociedade. A desintegração familiar é um exemplo e tem consequências gravíssimas. Resultado da falta de planejamento, de desenvolvimento regional e logístico que forçam esta migração. Dão preferência a modais – como o rodoviário – em detrimento de outros. Com isso, as ruas e rodovias ficam lotadas. Agressivas e com o tempo escasso, os condutores correm mais nas estradas e nem são todos capazes de adquirir automóveis mais novos. Isso leva a mais acidentes e mortes. Com o combustível caro, assim como os pedágios, e sem outras opções de transporte, as reuniões familiares são menos frequentes e menores. Sem falar no impacto que tudo isso tem no turismo. Com produtos de subsistência mais caros, o custo de vida aumenta e é capaz de gerar mais violência na luta pela sobrevivência. Ao passo que isso também leva para mais desintegração familiar.

Consequência também na vida social. Os clubes estão cada vez mais esvaziados. Muitas vezes a sua sede é distante, o que se traduz em tempo no trânsito e dinheiro. Os de futebol, situação igual. As administrações fazem o possível e o impossível a fim de manter um bom público para deixarem os caixas saudáveis. Afinal, uma partida de futebol concorre com diversas opções de lazer. E cada centavo precisa sem bem gasto. A tal relação “custo-benefício”. O esporte de rendimento tornou-se caro e, claro, alguém paga a conta, que está contabilizada no preço do ingresso.

Com isso, torna-se mais difícil o futebol alcançar novos públicos como antigamente. Está em crise? Não, longe disso. Não vai deixar de ser popular, mas a prazo o resultado pode ser visível, assim como é a presença de mais jovens nas torcidas organizadas, cada vez menor. Na geração deste que vos escreve, não era assim.

Os vínculos sociais diminuem e as manifestações de amor, cada vez mais raras. O individualismo e a preocupação com a sobrevivência fazem com que aquilo que conectava a população (por exemplo, o futebol) deixe de ter importância. Aos poucos, tudo se escorre pelo ralo com menos pessoas envolvidas. Torcidas adquirem CNPJ em uma escancarada relação interesseira.

É pequenez procurar por culpados em o Brasil não ter vencido a Copa. Perdeu porque há quem vença, há quem não. Simples.

Ao mesmo tempo, percebeu-se que o amor pelo jogo e pela camisa amarela deixaram de fazer sentido.

Do lado argentino, isso aumentava gradualmente conforme a Copa do Mundo acontecia. Ficou evidente com a reflexão depois da derrota contra a Arábia Saudita. Após a volta por cima contra México e Polônia. Com a defesa de Martínez do chute australiano no último minuto. No recomeço depois do empate da Holanda nos acréscimos. Após a demonstração de extrema concentração no espetáculo diante da Croácia. E, finalmente, com a frieza diante de uma França que não se deu por vencida.

Uma campanha que deixou claro que o amor é fundamental.

Do lado brasileiro e muito além do futebol, o amor ao que se faz, o respeito à capacidade produtiva do país e ao poder empreendedor do seu povo; o amor à República, ao trabalho a serviço da igualdade – por isso também passa a igualdade regional -, em meio a um projeto diretor que conduza a nação aos mais altos indicadores sociais, são sim capazes de mudar a realidade do Brasil.

No entanto, em um lugar que não se pensa no próximo e não se respeita o coletivo, em que não há o amor, ele jamais será o exemplo que nos levará à vitória. Assim como não foi durante a Copa.

Afinal, o amor vence tudo.

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