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Com o Gaúcho da Copa

Recentemente (anteontem) este blogueiro esteve com o Gaúcho da Copa. Aquele que vai pilchado aos jogos do Brasil, com o chapéu repleto de pins e uma réplica da Copa do Mundo nas mãos. Tem sido ele o embaixador da torcida do Brasil nas partidas da Seleção Nacional de futebol. Ele no verão tem uma barraca na praia e conversamos muito não sobre futebol, mas sobre os trabalhos para 2014.

com o Gaúcho da Copa

com o Gaúcho da Copa

Clóvis (o Gaúcho) tem muita razão ao dizer que nada tem sido feito, que um Mundial FIFA vai muito além de estádios e de jogos, ou mesmo aeroportos. A organização de eventos como estes passa também pelas rodovias, ferrovias e, fundamentalmente, educação: preparar a cidade para bem receber os visitantes do próprio estado, do resto do País e do mundo todo. Que as aulas de Educação Física nas escolas façam perceber a grandeza de megaeventos esportivos nas crianças e adolescentes. Que entendam o porquê de gostarmos tanto dos esportes a ponto de ocupar várias horas do nosso dia-a-dia. Que policiais, agentes de trânsito e profissionais que lidam diretamente com as pessoas estejam habilitados a bem servirem os consumidores da Copa do Mundo.

Um megaevento esportivo será  a imagem da cidade/estado/País para o mundo todo. Por isso a importância da boa educação também, repensar hábitos – como cuspir e urinar na rua, jogar lixo no chão e usar a buzina do carro sem qualquer motivo aparente – e rever conceitos.

Desde 2007, quando o Brasil soube que sediaria o Mundial FIFA, não houve planejamento para receber este megaevento esportivo. E sem este planejamento, não haverá execução dos projetos a 100%. Uma pena. E o Gaúcho da Copa tem muita razão nisso.

Para Ser G-“Alguma Coisa”

Está na moda ser “G”, às vezes é bom ser “G”. G-8 para os países mais ricos do planeta; G-4 para quem quer se classificar para a Libertadores; G-77 para os países que se consideram “não-alinhados”; G-Magazine para outros interesses. A Deloitte recentemente divulgou uma lista dos G-20, os 20 maiores clubes de futebol do planeta em termos de rendimentos. Muitos clubes queriam fazer parte desta lista – aliás, está neste blog em “Utilidade Pública” -, outros não deviam fazer parte e outros ainda incrível e incompetentemente não fazem parte.

Desta lista todos os clubes são europeus, na maioria ingleses. Nenhum clube das Américas: nenhum mexicano, nem brasileiro, ou mesmo – um campeão de vendas – o Boca Juniors, de Buenos Aires. Chama a atenção na lista a inclusão de um clube turco, o Fenerbahçe, de Istambul (é com cedilha mesmo).

*temp*

Estádio do Fenerbahçe, em Istambul (fenerbahce.org/pt)

A economia brasileira é a 8ª do mundo, a turca a 15ª. O Fenerbahçe não tem o mesmo número de torcedores que têm Corinthians, Flamengo ou São Paulo. Que tem o Boca, América (México DF) ou Chivas de Guadalajara. A Turquia não tem o mesmo palmarés no futebol que tem a Argentina ou o Brasil. Mesmo assim o “Fener” – como é carinhosamente conhecido pelos torcedores – está lá, figurando entre os G-20 da Deloitte, listagem que a cada ano fica tão importante quanto ganhar um campeonato. É um motivo para aumentar a reputação e credibilidade da organização desportiva, que é um clube.

As receitas dos clubes dependem de 4 variáveis: direitos de transmissão pela TV, transferências de jogadores, bilheteria e comercialização (merchandising, publicidade e patrocínios).

O “Fener” está lá este ano porque no ano passado chegou às quartas-de-final da Liga dos Campeões da Europa, o que rendeu ao clube dezenas de milhões de euros (€) (os benefícios com os direitos de transmissão são altíssimos). No ano passado alguns jogadores do clube de Istambul saíram para jogar em outras ligas europeias e asiáticas, o que rendeu alguns “trocados” ao clube. Entretanto o grande trunfo dos turcos está em adquirir jogadores da América do Sul – neste caso onde o preço do passe é menor devido ao câmbio, o famoso “bom e barato” -, o que torna a equipe mais competitiva e em contrapartida ganha mais mercado consumidor. Quantos brasileiros não passaram a acompanhar e comprar produtos relacionados ao Fenerbahçe depois que Zico, Alex, Edu Dracena e Lugano foram lá treinar e jogar? Eu, inclusive!

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Torcida do “Fener” (fener-fanatix.tr)

Bilheteria: não se vê jogos do Fenerbahçe com as bancadas vazias. Sempre lotadas, estádio seguro, viável e moderno. Alto índice de assistência, mesmo com os ingressos caros. Mas, claro, há um plano de compra antecipada, o popular “sócio-torcedor”. Mesmo assim, não é barato. O “Fener” tem um excelente plantel, com nomes que se destacam. Mantê-lo é caro. Certamente os torcedores sabem disso. Não se distribuem ingressos a determinados torcedores. Os responsáveis pelo clube seguem a seguinte equação:

Assento Preenchido = renda do ingresso + renda do consumo no estádio + renda com o merchandising

ou

Assento Preenchido + Vitória da Equipe = renda do ingresso + (renda do consumo no estádio)² + (renda com o merchandising)²

em longo prazo:

Assento Preenchido + Vitória da Equipe = (renda do ingresso)² + (renda do consumo no estádio)² + (renda com o merchandising)² + aumento dos direitos de transmissão pela TV + patrocínios (!!!)

Consequência disso: mais dinheiro para investir no plantel e aumentar a competitividade da equipe; para aumentar o conforto do estádio; para aproximar mais os torcedores ao clube. Em suma, satisfazer a torcida.

Quanto à comercialização, o “Fener” leva muito a sério o licenciamento dos seus produtos. Claro que os seus torcedores são conhecidos por serem muito fanáticos. Se fanatismo significasse renda, Boca Juniors e Corinthians seriam os clubes mais ricos do mundo. No Fenerbahçe existe planejamento de como vender e oferecer o clube para os torcedores, mesmo que o seu número não seja alto. O site oficial é oferecido em vários idiomas. Os produtos oficiais são caros, certamente, e por isso mesmo que os turcos têm uma marca própria de artigos oficiais licenciados que permite um preço mais em conta. E a gama de produtos é vasta. O adepto, quando compra, sabe que o dinheiro é revertido para o “Fener”. Isso sim é fidelidade e lealdade ao clube.

Enquanto isso, no Brasil, falta planejamento e profissionalismo dos clubes, salvo alguns. Câmbio desfavorável frente ao euro (€) não é desculpa para terem que vender logo cedo os craques para a Europa, Oriente Médio e Japão. Os clubes ainda são reféns de mal-negociados direitos de transmissão e o fato de o Campeonato Brasileiro e a Taça Libertadores estarem nas mãos de confederações e não serem Ligas independentes diminui a possibilidade de aumento dos rendimentos. Além disso, o “paternalismo” exercido por vários dirigentes de federações e dos clubes brasileiros é conivente com a distribuição dos ingressos (a baixo ou a nenhum custo), e conivente com a violência entre os torcedores. Isso causa o desinteresse nos demais torcedores em frequentarem os estádios: não há conforto e segurança. Mesmo com um ingresso caro, os serviços não estão à altura do preço. Não há respeito pelo torcedor, que, quer-queira-quer-não, é um cliente.

“Quanta oportunidade!” (farm3.static.flickr.com)

Somado a tudo isso, os produtos oficiais são caros e não há alternativas senão comprá-los no mercado informal, grotescamente não-oficiais, mas mais baratos. O combate à pirataria inexiste. Por outro lado, não existe profissionalismo por parte de quem vende e oferece o clube aos torcedores de futebol no Brasil. Se o torcedor verifica resultados no trabalho levado a cabo pelo clube, sem dúvida alguma que ele vai se sentir incentivado em adquirir os artigos oficiais, mesmo que mais caros em relação ao mercado informal. O futebol do Brasil é reconhecido e bem visto pelo mundo, e isso significa mais mercado consumidor. Por que não conquistar estes mercados ao contratar um jogador de lá? Como fez o Manchester United na Coreia do Sul, com o Park. Como faz o Boca Juniors em países como a Colômbia e o Uruguai.

Pensar que clubes como Flamengo e Corinthians têm mais torcida que muitos países do mundo e estão longe de estarem entre os maiores do mundo. Maiores em do mundo em número de torcedores? Desde quando isso significa ser o maior do mundo? Se pelo menos garantisse rendimentos, aí sim. Claro que em um país como o Brasil, que conta com quase 200 milhões de habitantes, é relativamente mais fácil um clube ter mais torcedores do que um clube em um país como a Espanha, com 40 milhões de habitantes. É tudo questão de vontade, iniciativa, planejamento, profissionalismo e visão. De querer servir em vez de “levar vantagem”. E não venha se desculpar pelo câmbio desfavorável!

“Major Premier League”

Um dia propuseram que as ligas – principalmente de futebol – européias adotassem um modelo estadunidense em sua forma de disputa. A característica principal deste modelo é a não existência do chamado “rebaixamento”, que consiste no descenso da equipe para disputar, no próximo ano, um torneio de menor nível técnico para, se obtiverem um bom desempenho nele, voltarem ao escalão máximo da modalidade em termos de competição.

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A NFL (futebol americano) e suas equipes (Fonte: nfl.com)

Os defensores do modelo dos EUA dizem que a inexistência do descenso permite um maior planejamento do clube em termos de infra-estrutura, direcionamento estratégico, profissionalização dos quadros diretivos e os salários dos jogadores mais nivelados (o que permite um maior planejamento financeiro). Sem dúvida, isso é observável nas ligas de basquete (NBA), futebol americano (NFL), beisebol (MLB) e futebol (MLS) naquele país, por toda a promoção que existe em torno de um jogo, de um torneio e de como o desporto lá é realmente um prestador de serviços. Este é o modelo principalmente dos Estados Unidos e Canadá e que o México tem procurado adotar, obviamente, adaptado à sua realidade, completamente distinta.

Realidade esta que permite o ascenso e o descenso. A mesma realidade que há na Inglaterra, em Portugal, na Argentina, no Paraguai, enfim. Se houvesse uma liga “fechada” (modelo dos EUA), dificilmente os Queen’s Park Rangers disputariam a “Premier League”; ou na Argentina o CA Temperley a “Nacional A”. A busca e a necessidade de estarem na primeira divisão – para conseguirem maiores receitas com bilheteria e direitos de transmissão pela TV – também podem permitir ao clube a necessidade de criar um planejamento estratégico, uma estrutura profissional do seu corpo diretivo, trabalhar com a paixão do adepto e sócios da instituição como o licenciamento, merchandising de produtos oficiais e outras campanhas de marketing como o no Brasil conhecido por “Sócio-Torcedor”.

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Torcida do Temperley (grande Bs As), das divisões inferiores do futebol argentino (Fonte: intercele.com.ar)

Quando um torcedor compra uma temporada inteira de bilhetes, ele sabe que corre o risco de ver a sua equipe rebaixada para uma divisão inferior e um clube, mesmo estando em uma dessas divisões inferiores, pode manter ou aumentar a sua renda com a venda de ingressos. O Corinthians – até onde sei -, tem conseguido fazer isso em simultâneo com a reestruturação da sua direção, que tem se mostrado mais profissional, transparente e com objetivos mais claros. O Manchester City FC é outro caso: antes mesmo de ser comprado por magnatas tailandeses e árabes, de ter a evidência que possui hoje, o clube, depois de algumas temporadas fora da primeira divisão inglesa passou por um processo de reerguimento que culminou com a construção de um novo estádio (Cidade de Manchester) e a volta à “Premier League”. A mesma coisa não aconteceu ao Leeds United: depois de gastar, gastar e gastar, chegar às semi-finais da Liga dos Campeões em 2000, o clube não saldou suas dívidas e mergulhou em uma crise que o levou às profundezas da terceira divisão inglesa. Um dia é capaz que voltem e revivam momentos de glória, como em 1992.

O Manchester City FC (Fonte: www.mcfc.co.uk)

Tal retorno do Leeds pode realmente acontecer, desde que a sua direção perceba que o esporte também é um prestador de serviços, como um teatro ou um concerto musical. É necessário cativar o público, o seu público. O torcedor não ser visto apenas como apaixonado, mas também como potencial consumidor. Assim sendo, a instituição poderá investir, por exemplo, em infra-estrutura, em comodidade. Terá margem de manobra para montar uma boa equipe. Riscos de rebaixamento sempre existirão. Se todos os clubes adotarem esta política, o nível de competitividade aumentará. Claro que haverá os clubes que, por terem maior torcida e estarem localizados em centros mais ricos e populosos, terão condições de estabelecerem melhores plantéis.

O modelo dos EUA de disputa de campeonatos é particularmente deles e lá deve ficar. Talvez não daria certo na América do Sul, Japão ou Europa. Entretanto, campeonatos nestes continentes, com o mediatismo e dimensão estadunidenses, combinado com um modelo de subida e descida de divisões, são sim possíveis.

Um Gigante Adormecido

Custa lembrar, mas a última das 4 medalhas Olímpicas obtidas pela Índia foi a de Leander Paes, no tênis, de bronze, em 1996. Em mais de 100 anos de Jogos, 60 de independência e com mais de 1 bilhão de habitantes, a Índia é um dos países com menor índice de medalhas Olímpicas por pessoa, senão o menor.

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Leander Paes, tenista indiano, medalhista Olímpico em 1996

Ao longo dos anos, o esporte evoluiu em termos de prática, condições e rendimento. A Índia, esportivamente, não, com exceção de uma modalidade: o críquete – ao longo do texto explicar-se-á o porquê disso. O hóquei na grama indiano, antes campeoníssimo, não acompanhou as significativas mudanças como por exemplo o uso de uma relva específica que tornava o jogo mais rápido e por isso demandava jogadores mais ágeis. Por ter sido uma colônia britânica, muitos devem questionar o porquê de o futebol ou o Rugby não terem sucesso naquele país, e sim o críquete – o que é contraditório, uma vez que a população indiana possui relativamente menor poder aquisitivo do que populações de países em que o Rugby e o futebol são as principais modalidades.

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Jogo de Críquete

Pode-se explicar tal fenômeno a partir de o críquete ter sido usado pelos indianos como uma maneira de desafiar os britânicos durante os anos de ocupação, e com isso a sua popularização foi inevitável. O críquete está para a Índia assim como o futebol está para o Brasil, isso também em termos de conquistas desportivas e mediatismo. Além de contar com grandes empresas como a Arcelor-Mittal, a Kingfisher ou a TATA Motors (que idealizou o NanoCar), 80% dos investimentos no esporte indiano têm como destino este esporte cuja variante jogamos no Brasil, sob o nome de “taco” (bets, lesca ou bente altas), potencializado em um universo de mais de 1 bilhão de pessoas.

Mas isso tem mudado. Ao longo dos últimos anos Nova Délhi estabeleceu objetivos mais amplos e claros para o esporte nacional através de um projeto aprovado no início desta década. Dentro deste projeto está ser a sede dos Jogos Asiáticos e do Campeonato Asiático de Futebol, que estimulariam a prática de diversas modalidades. A Fórmula 1 este ano contará com uma equipe indiana, a Force India, e quer receber uma das provas do calendário a partir de 2010. Sem dúvida que conseguirão, haja visto as grandes empresas que lá existem e um mercado consumidor com mais de 300 milhões de milionários!

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A equipe Force India, de F1

Daqui alguns anos não se deve ser pego de surpresa se os indianos despontarem no mundo do esporte. Eles têm gente. Eles têm dinheiro.

PS: Assistam o filme “Lagaan” para terem uma idéia do poder do críquete na história da Índia.